"Tinha 17 anos fui a uma viagem de finalistas, destas que hoje enchem os jornais. É o escândalo da semana, com razão, acho. A experiência marcou-me para toda a vida, porque foi o cenário mais dantesco que vivi até hoje. Fui ter com a minha mãe e pedi-lhe para me deixar ir, o valor era irrisório. Não me recordo mas algo como o que seriam hoje 200 euros incluía autocarro, barco e hotel alguns dias, com pensão completa. A minha mãe, que carinhosamente me trata por "marquesa" sabendo que eu resisto com bastante dificuldade a barulho, frio, sono, comida de má qualidade, sujidade, na verdade tais coisas derrotam-me, esteve quase 2 meses a dizer que eu "ia arrepender-me". Eu não a escutei e fui. Foram 17 horas de autocarro, o que quase me matou, seguidas de 9 de barco, creio, em que todos vomitavam, fumavam charros, riam e bebiam. O cheiro era nauseabundo. Até aí a coisa era mais ou menos normal para a idade, eu estava sobretudo desconfortável e já meio arrependida, mas o que estava para vir ninguém podia imaginar...Chegámos a um hotel à beira da água e cerca de 20 homens de várias empresas empurravam-se a oferecer bar aberto a noite toda por algo como 2000 escudos, com bebidas brancas rascas à descrição e música tecno - tecno para mim é o mesmo que satanás para um evangélico. Eu queria me integrar às massas e lá ia, bebia, dançava, com esforço. Quando retornei ao quarto a minha cama estava ocupada por 5, 10, 20, não sei, metade dos quais vomitavam nela. Não havia nada em redor a não ser hotéis, praia, discoteca na cave, a comida um horror. À praia chegavam poucos, ao pôr do sol. E ainda vomitavam. Não me recordo de ter conversado com ninguém, mas gritava-se, grunhia-se, gargalhava-se, havia uivos. E vomitava-se. No dia seguinte, desconsolada, apanhei um autocarro e fui ao centro de Palma de Maiorca e perguntei a um local onde havia um museu para eu ver, uma feira, qualquer coisa tradicional da terra. A pessoa a quem fiz a pergunta olhou para mim como se eu viesse de Marte. Não havia, disse-me. Liguei para casa, numa cabine - não havia telemóveis - e chorei, chorei, chorei, e implorei à minha mãe que me deixasse voltar de avião, ela disse que eu tinha que aprender, ela tinha avisado e tal, disse-lhe que abdicava de mesada até ao juízo final, ela disse "jamais, agora ficas para ver a porcaria que é e reflectires nas tuas decisões", algo assim. Educação, a quanto obrigas. Ela estava certa. Mas eu sofria. Chorava. Quando retornámos, comigo já semi-derrotada, apática, na esperança de ver apenas a ponte 25 de Abril, a sonhar com a minha cama, o meu edredon lavado, cheiro a ar puro, Antena 2 na cozinha da minha mãe, parámos a meio em Benidorm onde nos ofereceram, "atenção amigos, preço único", algo como 1500
escudos na altura, exclusivo, para nós e mais 50 mil, mais um bar aberto com destilados e...sexo ao vivo. Ia vomitando eu. Disse "entrego-me, daqui só saio numa ambulância, com acompanhamento psicológico"...
Eu tinha dois anos antes feito uma viagem de um mês para Oxford - a mais inesquecível e maravilhosa de toda a minha juventude - que incluía aulas de cultura geral em inglês, teatro, canoa, críquete, música clássica, exposições, idas a Londres e a Warwick, música pop, discotecas, álcool e dança, e namorar, claro. Conversei, horas sem fim. Fiz amigos, de muitos lados do mundo nessa viagem, alguns para a vida. Visitei-os na casa deles, na Jugoslávia, na Itália. Ainda hoje trocamos cartas. Tinha custado literalmente 20 vezes mais, essa viagem a Inglaterra, com 16 anos. A vida como ela é, ou como as classes trabalhadores estão votadas à estupidificação, também.
Acho que a juventude deve quebrar as amarradas da dependência e ser irreverente - apaixonar-se em Paris em 1968 no meio de uma manifestação contra a guerra do Vietname, vá lá, romantismo é preciso, fugindo à ditadura de Salazar e trabalhando à noite para comprar livros e viajar, passar horas a conversar no café, descobrir quem somos nos outros, apanhar uns pifos, tudo isto me parece delicioso. Ser carne para canhão do conluio entre empresas de viagens, de bebidas e associações de estudantes não tem nada de irreverente, até porque a conta são os pais que a pagam - chama-se dependência e não autonomia. Fui para a Alemanha trabalhar e servir às mesas com 18 anos, por um ano. E fui com esse dinheiro que lá ganhei fazer a viagem do Che Guevara na América Latina, só até à Bolívia é certo, e apanhei pifos a dançar até ao nascer do sol, vários na minha juventude. Viajei muito na vida. Namorei muito. Acho que amar é das melhores coisas que temos e fazemos. Um vinho, gargalhar, dançar, amar. O que vi neste sul de Espanha e nas Ilhas em 1997 não foi nada disto, não foi a irreverência da juventude mas o que de mais rasca se pode oferecer em termos de convívio humano. Finalmente não acho que a educação cabe só aos paizinhos, que são, também acho, muito mal educados - é ver a quantidade de crianças que nem bom dia diz ao vizinho perante a passividade dos pais. Mas a educação cabe a todos nós e se olharmos para o que são hoje pais, escolas, trabalho, televisão, política, cultura de massas podemos concluir que eles não são mais do que o espelho da sociedade mercantilizada. O horário nobre das televisões, com excepção, é preenchido por uma cultura de desrespeito pelo trabalho, despeito pelo que é público, cultura que remete o prazer para o que acontece em segundos, sem esforço, mesmo o mérito burguês e aristocrático foi enterrado e trocado pelo elogio do chico-esperto, uma colecção de governantes envolvidos em escândalos de corrupção, e que nunca tiveram um trabalho normal na vida e não sabem o que é esforço ou respeito pelos bens colectivos. Uns destroem hotéis, outros paíse
escudos na altura, exclusivo, para nós e mais 50 mil, mais um bar aberto com destilados e...sexo ao vivo. Ia vomitando eu. Disse "entrego-me, daqui só saio numa ambulância, com acompanhamento psicológico"...
Eu tinha dois anos antes feito uma viagem de um mês para Oxford - a mais inesquecível e maravilhosa de toda a minha juventude - que incluía aulas de cultura geral em inglês, teatro, canoa, críquete, música clássica, exposições, idas a Londres e a Warwick, música pop, discotecas, álcool e dança, e namorar, claro. Conversei, horas sem fim. Fiz amigos, de muitos lados do mundo nessa viagem, alguns para a vida. Visitei-os na casa deles, na Jugoslávia, na Itália. Ainda hoje trocamos cartas. Tinha custado literalmente 20 vezes mais, essa viagem a Inglaterra, com 16 anos. A vida como ela é, ou como as classes trabalhadores estão votadas à estupidificação, também.
Acho que a juventude deve quebrar as amarradas da dependência e ser irreverente - apaixonar-se em Paris em 1968 no meio de uma manifestação contra a guerra do Vietname, vá lá, romantismo é preciso, fugindo à ditadura de Salazar e trabalhando à noite para comprar livros e viajar, passar horas a conversar no café, descobrir quem somos nos outros, apanhar uns pifos, tudo isto me parece delicioso. Ser carne para canhão do conluio entre empresas de viagens, de bebidas e associações de estudantes não tem nada de irreverente, até porque a conta são os pais que a pagam - chama-se dependência e não autonomia. Fui para a Alemanha trabalhar e servir às mesas com 18 anos, por um ano. E fui com esse dinheiro que lá ganhei fazer a viagem do Che Guevara na América Latina, só até à Bolívia é certo, e apanhei pifos a dançar até ao nascer do sol, vários na minha juventude. Viajei muito na vida. Namorei muito. Acho que amar é das melhores coisas que temos e fazemos. Um vinho, gargalhar, dançar, amar. O que vi neste sul de Espanha e nas Ilhas em 1997 não foi nada disto, não foi a irreverência da juventude mas o que de mais rasca se pode oferecer em termos de convívio humano. Finalmente não acho que a educação cabe só aos paizinhos, que são, também acho, muito mal educados - é ver a quantidade de crianças que nem bom dia diz ao vizinho perante a passividade dos pais. Mas a educação cabe a todos nós e se olharmos para o que são hoje pais, escolas, trabalho, televisão, política, cultura de massas podemos concluir que eles não são mais do que o espelho da sociedade mercantilizada. O horário nobre das televisões, com excepção, é preenchido por uma cultura de desrespeito pelo trabalho, despeito pelo que é público, cultura que remete o prazer para o que acontece em segundos, sem esforço, mesmo o mérito burguês e aristocrático foi enterrado e trocado pelo elogio do chico-esperto, uma colecção de governantes envolvidos em escândalos de corrupção, e que nunca tiveram um trabalho normal na vida e não sabem o que é esforço ou respeito pelos bens colectivos. Uns destroem hotéis, outros países s. Enfim, concluindo, os jovens estão animalizados, e sobretudo confundem relações de compra e venda de coisas com relações de amizade, amor, afecto, relacionam-se como coisas entre si, mas...não é isso a sociedade toda?"