(...)Entramos de rompante, directamente do nosso yellow cab, chamados por um bouncer negro que, metido dentro de um apertado Armani gessato e com uma pala de cabedal a cobrir-lhe o olho esquerdo, nos abre caminho pelo meio da multidão. Sou levado pela mão da Valentina, que sem coincidência é filha de um amigo de Crepax, ex-modelo das passarelas de Milão e que desta cidade onde agora vive parece conhecer tudo e todos. Ao nosso lado entram também o metro e oitenta de uma Florentina sua amiga e mais dois seus conterrâneos, nossos amigos comuns de Milão e que acabaram de chegar à cidade. Um naipe de luxo. A super posh crowd, I guess. Aqui dentro terminou o primeiro set e está para começar o segundo. O espaço é relativamente apertado. No ar paira um inebriante fragor de Chanel No. 5 que a esta pequena hora da noite se mistura já com outros perfumes mais primordiais, como aqueles do álcool, do sexo e do sangue. À minha volta, um cenário barroco, rico em talhas douradas, lustres de cristal estilo Maria Teresa e pesadas cortinas de veludo adamascado, cor de carne. O público, esse, agrupado em pequenos camarotes ou sentado em mesas espalhadas pela plateia, é elegantíssimo. Perigosamente sofisticado, dir-se-ia. Alguns trouxeram plumas na cabeça. Outros o seu sexo indefinido. Outros vieram de top hat e mascarilha. Outros ainda com a face coberta de piercings que os potentes reflectores deste burlesco cabaret convertem em movimentadas máscaras de luz. Sob o palco, de costas para um pano agora corrido, banhada por uma ácida luz azul e por uma bizarra e lenta canção de embalar, dança uma anoréxica beldade ariana. Endossa, minimalista, um par de suspensórios, um slip de pele e um cristalino copo de vodka. Reparo no seu olhar vítreo. Fixo no vazio. A sua coreografia é simples. Mãos que se alçam rápidas, esticadas nos braços lá em cima e que depois descem, ondulando, vagarosamente, para se virem pousar, como borboletas venenosas, na magreza das ancas que se balançam ossudas, suspensas no cabedal dos seus finos suspensórios.(...)