"2.3. A segunda solução autoritária contra o austeritarismo: sair do euro e da União Europeia
A segunda solução, em contrapartida, terá um peso crescente no debate político. A proposta da saída do euro será persistente, é com ela que nos vamos defrontar. Ela será defendida por dois tipos de correntes: os economistas que recusam o espartilho do euro e não encontram outra solução, e as esquerdas que preferem o nacionalismo ao arrastamento da crise europeia. São dois sectores diferentes, com ideias diferentes e propostas diferentes, e só por diletantismo é que os segundos se refugiam nos argumentos dos primeiros.
Entre os economistas que defendem a saída do euro estão alguns dos seus críticos de sempre, como João Ferreira do Amaral, em Portugal, ou, mais prudentemente, Paul Krugman e Nouriel Roubini, nos Estados Unidos. Para estes economistas, já não é uma questão de escolha, é (ou começa a ser) uma inevitabilidade. Segundo eles, a espiral recessiva das medidas de ajustamento orçamental tornará a governação impossível, com aumentos de impostos que já não criam mais receitas, com a paralisia da economia e com a exaustão das políticas. Por isso, argumentam que só resta a saída do euro como forma de desvalorizar uma nova moeda e esperar que a economia se reequilibre por via do aumento das exportações e da diminuição dos salários. Assinale-se que nenhum deles defende a rejeição da dívida, antes esperam ganhar algum tempo para pagar a dívida de outra forma, com o aumento das exportações. E todos aceitam que os trabalhadores devam pagar o ajustamento com a redução dos salários. Há nisto bons e maus argumentos, como escrevi atrás a respeito do euro como factor da crise. Mas, sobretudo, é uma resposta que propõe uma austeridade salarial permanente e indiferente à economia que afecta as pessoas.
Além disso, esperar que a União financie a saída do euro ou que os mercados financeiros mantenham uma atitude de neutralidade perante a nova moeda é ingénuo.
Tudo vai da aposta: um governo de direita que fizesse esta operação com o intuito de provocar uma redução acentuada e permanente dos rendimentos dos trabalhadores poderia obter algum apoio da finança internacional, mas é duvidoso que este se mantivesse perante as medidas drásticas que, neste contexto, se tornam necessárias.
Vamos então ver como se aplicaria a saída do euro, e convocar agora os sectores de esquerda que devem defender a sua proposta a partir de um ponto de vista que considere a vida dos trabalhadores.
Comecemos pelo princípio, pela decisão de criar uma nova moeda, vamos chamar-lhe escudo. O governo, perante as dificuldades económicas, decide sair do euro e passar a usar o escudo como moeda nacional (ou, o que é o mesmo para os efeitos económicos e sociais, é expulso do euro). Manda então imprimir em segredo as notas e prepara-se para anunciar a grande novidade, numa sexta à noite, à hora do telejornal, quando os bancos já estão fechados. Nesse fim-de-semana, todos os bancos fazem horas extraordinárias para distribuir as notas por todos os multibancos, para que a nova moeda possa estar em circulação na segunda-feira.
O problema é que esta operação envolve milhares de pessoas, que transportam e distribuem as notas, e eles vão contar às suas famílias. E, de qualquer modo, toda a gente assistiu nas semanas anteriores a declarações dos ministros a explicar que isto vai muito mal e precisamos de decisões muito corajosas para salvar a Pátria em perigo. Em resumo, toda a gente percebeu o que vai acontecer.
O que farão então as pessoas? Não é preciso adivinhar: vão a correr aos bancos levantar todas as suas contas e guardar as notas de euros. Se não o fizerem, todas as suas contas e poupanças vão ser transformadas em escudos, a um valor nominal que cairá com a forte desvalorização que, afinal, é o objectivo desta operação. Ou seja, as poupanças vão ser tão desvalorizadas como a moeda em que passam a estar registadas.
Ora, os bancos não querem pagar aos clientes todos os seus saldos e poupanças, porque esta corrida irá arruiná-los. Não querem nem podem, pois simplesmente não têm o dinheiro para isso – nem há notas suficientes para cobrir toda a massa monetária líquida que existe em Portugal (a massa monetária é a soma das notas e moedas em circulação com os depósitos nos bancos, e os bancos não guardam esse dinheiro, porque o emprestam). Os bancos vão por isso fechar as portas quando se generalizar o alarme, e o governo vai chamar o exército para guardar os edifícios. Foi assim na Argentina, foi assim em todos os casos em que se anunciaram desvalorizações brutais (e nem se tratava de sair de uma moeda e criar outra, o que nunca aconteceu na história da União Europeia)."