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Ago 12

 

 

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publicado por José Manuel Faria às 18:15


A entrevista que João Semedo concedeu à VISÃO, no início deste ano, para recordar numa altura em que o seu nome é apontado como o sucessor de Francisco Louçã na liderança do Bloco de Esquerda

Ex-funcionário do PCP, ex-comunista, preso pela Pide, o médico João Semedo despertou para a política nas brigadas de apoio às vítimas das cheias de 1967, na Grande Lisboa. Foi pela mão de um padre que começou a ajudar os outros mas é ateu. Durante uma década, ganhou o salário mínimo, mas não se considera um herói por isso. Em 1991, saiu do Comité Central do PCP por causa de uma purga de camaradas seus. Hoje é um dos principais rostos do Bloco de Esquerda.

Embora ligado ao Porto, nasceu em Lisboa...

Só fui para o Porto em 1978. Estudei no Liceu Camões e, desde 1968-69, na Faculdade de Medicina de Lisboa.

O que o encaminhou para a Medicina? Havia médicos na família?

Não. O meu pai era engenheiro e a minha mãe é professora. Sempre tive curiosidade por pessoas e por alguns mistérios do corpo humano. Não era uma grande vocação, pois também hesitei bastante entre Medicina e Arquitetura e, o que me fez decidir, foi o facto de não ter muito jeito para desenho.

Algum professor o marcou?

O padre Vítor Feytor Pinto, a crítica literária Dulce Rebelo, a Helena Mesquita, o Mário Dionísio. O padre Vítor, nosso professor de Religião e Moral, animava uns grupos de discussão e de reflexão, numa casa entre o Saldanha e o Marquês de Pombal. Reunia cerca de 30 a 40 miúdos dos liceus da zona de Lisboa. Promovia uns debates, ao sábado. Não sei exatamente como, acabei por me interessar por isso. Ele organizou umas brigadas para ajudarem as vítimas das cheias de 1967 e calhou-me, aos 15 ou 16 anos, ir para as Portas de Benfica. Nunca me tinha apercebido de que havia pessoas que viviam naquelas condições ruas e ruas cheias de lama, uma coisa horrível. Isso teve um impacto enorme em mim.

É crente?

Não. Tive uma educação ateia. O meu pai era muito anticlerical.

A sua família estava ligada ao PCP?

O meu pai era comunista. Militante, antes e depois do 25 de Abril. A minha mãe tinha uma grande cultura humanista e universal. Até ser preso, em 1972, nunca falara com o meu pai sobre as suas ligações ao Partido. Estive 10, 15 dias, em Caxias. Mas eu não tinha qualquer relevância para a Pide só me prenderam porque não podiam deixar de prender. Acho que a ideia era mais que eu apanhasse um susto para o resto da minha vida.

Mas ele sabia que o João era do PCP?

Nunca tinha falado com ele sobre isso, mas ele antecipou-o. Também nunca me disse que era do PCP, embora eu desconfiasse tinha umas saídas que não eram "normais" para um chefe de família. Eu fui preso num sábado à tarde e fiquei muito inquieto, porque tinha alguns Avantes e alguns documentos relacionados com a fundação da UEC [União dos Estudantes Comunistas] em casa. Mas o meu pai antecipou essa possibilidade e, antes que a Pide fosse lá, tratou de limpá-la da propaganda que eu lá tinha.

Como entrou para o PCP, em 1971?

Fui recrutado por um colega de Faculdade, o João Fróis, um militante de uma extraordinária dedicação. Recrutou-me a mim e a outras pessoas a célula da Faculdade de Medicina era forte.

E porque foi preso?

Foi em 1972, estava a criar-se um movimento para concorrer às eleições. Estávamos a distribuir um manifesto, na estação da Parede. Era um modo de forçar uma certa legalidade das candidaturas. A esquadra da polícia ficava a umas centenas de metros e fomos presos pela PSP. Ao final da tarde, a Pide foi buscar-me. Puseram-me em Caxias, onde fui sujeito a dois interrogatórios banais. Pretendiam que assinasse uma declaração na qual me comprometia a não desenvolver ações oposicionistas a contrapartida era a ameaça de suspenderem o adiamento para cumprir o serviço militar. Nunca assinei isso e, um dia qualquer, disseram-me para arrumar a trouxa e voltei para casa.

Como aconteceu a sua ascensão?

Nos primeiros anos, estive ligado à UEC, em Lisboa. Depois fui trabalhar para o setor intelectual, para o Porto, em 1978 ou 1979. E tornei-me funcionário do PCP.

Quais eram as funções de um funcionário, no setor intelectual?

Depois do 25 de Abril, o PCP teve uma grande influência política junto dos chamados Intelectuais professores, médicos, investigadores, homens e mulheres do teatro, jornalistas... No fundo, tratava-se de organizar a ação política desses militantes, nas suas áreas profissionais ou em torno de iniciativas políticas a Paz, o Portugal de Abril, a Reforma Agrária, todas essas coisas.

Como foram esses tempos, no PCP?

Fazia aquilo que os outros faziam. Tinha as minhas tarefas e rotinas, como em todas as atividades. Acho que foi uma boa escola de determinação. A atividade política funcionava num círculo restrito, fechado eu ocupava muito do meu tempo com pessoas ligadas ao partido.

Era bem pago?

Ganhava o salário mínimo nacional.

Isso nunca o incomodou, tendo em conta que era médico?

Nunca me senti um herói por ganhar o salário mínimo e nunca me senti estimulado a mudar de vida por essa razão. E nunca tive uma vida monástica...

Porque deixou de ser funcionário?

Em 1991, estive numa reunião do Comité Central que expulsou vários membros: Raimundo Narciso, José Luís Judas, Mário Lino, Barros Moura. Discordei, votei contra. Isto tornou impossível eu continuar a assumir responsabilidades.

Mas não abandonou o PCP?

Não. Mantive-me no partido, durante mais dez anos. Dediquei-me, então, à Medicina e recuperei grande parte do tempo perdido. Estive num centro de abrigo para toxicodependentes e trabalhava nos SAPs e em alguns outros sítios.

Em 2000, retoma a militância...

Participei na preparação do Congresso de 2000, em Lisboa, no Pavilhão Atlântico. Esse Congresso era secretário-geral o Carlos Carvalhas constituiu uma clarificação definitiva. Ficou claro que algumas mudanças da vida interna e também do programa político eram impossíveis. Foi um momento em que muita gente foi afastada e se afastou.

Visitou os países socialistas de modelo soviético?

Sim, vários, como dirigente do partido.

Visitei a URSS, a RDA, a Checoslováquia, Cuba, a Bulgária, a Hungria... Nunca tive grandes dúvidas de que eram sociedades nas quais eu dificilmente conseguiria viver. Muitos comunistas achavam que o seu comunismo, feito no seu pais, seria diferente daqueles. A convicção que eu tinha era de que faríamos um modelo de sociedade diferente. Mas reconheço que muita da política do PCP era um decalque dessas políticas e isso prejudicou-o.

Como vê o trajeto político de alguns ex-PCP, como Zita Seabra ou Pina Moura?

[Silêncio] Há quem utilize esses percursos para diabolizar qualquer diferença de opinião. Mas a história política é feita de pessoas que mudaram de percurso. Acho natural a mudança de pensamento político. Se eu sustento esses percursos? Não, e não os segui.

Também teve o sentimento de perda de outros quando abandonaram o PCP?

Tenho raízes no passado mas não vivo a olhar para o passado, assim como não faço cálculos sobre o futuro. Vivo muito o tempo presente. Sempre olhei os partidos e a política com que mantive muitos afetos como instrumentais. Ou servem ou não a nossa opinião. Não tive esses sobressaltos, nunca me senti viúvo ou órfão.

E o Bloco de Esquerda?

O BE era uma tentativa de responder a um vazio. Em 2003, estava eu na direção do hospital, quando o meu amigo Miguel Portas preparava a candidatura ao Parlamento Europeu e convidou-me para a lista. Fiz a campanha e a aproximação mais formal aconteceu. Em 2004, houve um acordo entre a Renovação Comunista, de que fui um dos fundadores, e o Bloco e eu entrei nas listas para as eleições em 2006, substitui o Teixeira Lopes e fiquei.

O Bloco está em crise?

Em crise está o País. Tivemos um crescimento sistemático e constante até 2009 mas, em 2011, obtivemos um resultado inferior ao alcançado até então. Eu não desvalorizo esse recuo mas impõe-se olhar para isto com alguma inteligência política. Na política, ganha-se e perdese.

E o Bloco perdeu deputados, votos, influência e capacidade. Mas tal como chegámos, em dez anos, aos 10%, nada nos impede de voltar a crescer.

Quais foram os erros cometidos?

O resultado do Manuel Alegre foi mau e isso foi muito perturbador para uma parte do eleitorado em que o Bloco de Esquerda exercia influência. Depois, houve pessoas que não entenderam a moção de censura ao Governo que apresentámos no Parlamento. Mas estava na cara que o Executivo de José Sócrates estava por um fio e era a Direita que o tinha na mão.

Sócrates disse que vocês seguravam o fio.

Não é verdade. O esgotamento do PS foi extraordinariamente favorável à Direita.

O facto de o BE se ter recusado falar com a troika não teve também consequências?

Explicámo-nos mal. Mas agora, após algumas reuniões com eles, percebemos que negoceiam apenas com o Governo. As pessoas encararam a nossa recusa como um sinal de petulância, mas não foi nada disso.

Alguns, no BE, não o entenderam assim. Como o Daniel Oliveira, a Joana Amaral Dias, o Rui Tavares...

Não me perturba. Têm opiniões diferentes. Têm uma visibilidade maior, porque são comentadores, na televisão, e por muito que discorde do que pensam ou dizem é uma manifestação de um sadio pluralismo. O Rui Tavares é um independente e o seu espaço é ainda maior, embora as razões que apresentou para deixar a Esquerda Unitária sejam frágeis acho que tem outro projeto político. Por isso, não pode ser posto ao mesmo nível do Daniel e da Joana, que afirmam as suas opiniões de forma contundente, embora eu pense de modo diferente.

Há semelhanças entre o que está a acontecer no BE e o que o levou a sair do PCP?

Não. Estes problemas, no PCP, teriam já um fim claro... Por isso é que me sinto bem no Bloco.

Pode ocorrer um problema de liderança?

Não acho que haja um coro de vozes a reclamar a saída do Francisco Louçã ou de outros. A liderança do Bloco de Esquerda não é um tabu. Naturalmente, essa questão colocar-se-á na preparação da nova Convenção, no final de 2012.

Vamos regressar um pouco à sua vida. É casado e tem filhos...

Sim, sou. Tenho um filho, com 28 anos, que é bolseiro e pretende fazer um doutoramento na área da Bioquímica. Caseime algumas vezes... Sou casado com a Ana Maria, desde 1988, e estas fases todas ela percorreu comigo.

O que gosta de fazer, além da política?

Na verdade, hoje, o meu hóbi é a política... Mas já tive outros hóbis, como fazer puzzles. Mas agora já não tenho tempo para isso. Gosto de ver exposições e de ir a museus. Valorizo estar com os meus amigos e gosto muito de ver o Benfica jogar sou fanático, é como um ópio.

 

Visão

publicado por José Manuel Faria às 11:24

publicado por José Manuel Faria às 10:47

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