"É verdade, são polícias, taxistas e médicos que confirmam. À noite - diz a polícia - na zona de Santos, em Lisboa, as ruas enchem-se de adolescentes e copos. Cerveja, vinho, sangria e misturas. Alguns acabam alcoolizados no hospital. Mas é assim de Norte a Sul no país: todos os meses há miúdos a chegarem às urgências com intoxicações ou comas alcoólicos. Os mais novos não contam ainda 13 anos.
A PSP encontra regularmente cenas degradantes: menores a caírem de bêbedos e a vomitarem. Conta um agente que viu sentados numa roda, no passeio, dez adolescentes. Cada um com um copo de líquido escuro – shots, dose de bebida alcoólica com “Vodca” que se bebe num só gole – ergueram-nos ao centro, brindaram à mais nova de entre eles e beberam a “mistela” num trago. Era o ritual de um grupo de primos e quele estava a ser o baptismo de um. Passava quase uma hora da meia-noite quando todos gritaram o nome dela – era uma rapariga de 14 anos – e incentivaram-na: bebe, bebe, bebe!
Diz a polícia, que é naquele Largo de Santos, que se juntam à noite muitos adolescentes com idades entre os 13 e os 17 anos. Começam a chegar por volta das 10:30 e pouco depois, todos seguram nas mãos copos de cerveja que compram nos bares do lado oposto da rua. Alguns seguram garrafas de vinho e outros garrafas de um litro de cerveja. “Litrosas”, como lhe chamam. Todos com 15 e 16 anos, proibidos de comprar álcool, arranjam sempre maneira de “contornar a dificuldade”. Todos com ar de “menino bem”, orgulhosos do que emborcam, vão dizendo: sozinho, bebi quase uma garrafa de whisky; já vou com a terceira “Vodca”; só bebi duas “Litrosas”, e já estou a ficar “acelerado”. O pior é quando de madrugada, bêbedos, atravessam as ruas a correr, a rir, a vomitar e a gritar, sem olhar para os carros que passam, e sem noção de que podem ser atropelados.
Os taxistas são muitas vezes anjos de salvação. Quantas vezes – diz um – sou obrigado a parar para não atropelar os que a cair de bêbedos e a vomitar, estão no meio da rua de braços no ar e garrafas na mão, a pedir ajuda. Quantas vezes os quero levar a casa, mas tão embriagados que estão, que não sabem, não conseguem explicar onde moram. A solução que encontro é levá-los ao hospital onde os deixo nas salas de urgência. Lá, vejo cenas que chocam, tristes, tristes, tristes, como a de ver pais comovidos, a chorar quando deparam com filhos em estado lastimoso. No hospital de Santa Maria – diz o taxista – vi uns pais a chorar por encontrarem a filha deitada numa maca com intoxicação alcoólica, fruto dos festejos das praxes. Tu? Perguntaram os pais que a encontraram por acaso.
Os médicos então, contam situações vividas, que parecem pesadelos. Quando “restabelecidos” – diz um médico – alguns jovens contam porque vieram parar ao hospital. Eu – disse um – vim cá parar porque me embebedei, julgando que estava no recreio da escola secundária. O espaço era igual, tinha bancos de madeira corridos e umas mesas com cadeiras. Só que, em vez de dia era de noite, e em vez de livros, os rapazes e raparigas traziam nas mãos copos com bebidas alcoólicas. Alguns fumavam. Vim parar ao hospital não sei como, tive sorte, porque outros mais bêbedos que eu, passaram lá a noite deitados no chão, de borco, em aflitivos arrancos para vomitar, e com a roupa ensopada com o vomitado de todos. Outro muito preocupado, perguntou pela Bibi. Era uma rapariga de 16 anos que, embriagada, depois de troca de beijos com muitos rapazes, correu a soltar gargalhadas para o mar, ou para o rio, para tomar banho. Não sabia se tinha morrido afogada. Muitos não dizem nada quando chegam, nem quando vão embora. Mas dizem os maqueiros das ambulâncias quando os trazem “todos partidos e bem bebidos”: mais um que esbarrou o moto que o papá lhe deu!
Uma médica diz que ficou estupefacta quando lhe apareceram os pais a quem tinha telefonado para irem buscar os filhos, já refeitos das bebedeiras. Os dois chegaram completamente embriagados, a mãe mais que o pai. Não deixei levar os filhos – disse a médica – e chamei a Polícia para resolver o problema.
Foi a avó dos miúdos que apareceu para os levar e aos pais. Arreliadíssima, lamentava: nunca vi filhos tão parecidos com os pais. Que Deus me ajude a carregar cruz tão pesada e negra! Que vergonha, que vergonha ..."
Domingos Pedrosa